Osmar Terra (*)
Todos os países que liberaram os
entorpecentes tiveram que voltar atrás, em função de problemas sociais e
de segurança, e têm hoje leis duríssimas sobre o assunto
O dilema entre enfrentar ou liberar as
drogas no Brasil exige mais do que uma opinião ideológica ou sociológica
sobre o tema. Exige conhecimento da história, das pesquisas científicas
mais atuais, do porquê e como um ser humano fica dependente das drogas,
das políticas públicas e da experiência das famílias que vivem esse
drama. Sem pretensão de fazer aqui um tratado sobre o tema posso dizer
que um ponto central desse conhecimento científico sobre as drogas, e
que é rigorosamente ignorado pelos defensores da liberação, é o de que a
dependência química produz uma mudança estrutural, definitiva, no
cérebro humano.
Fruto do estímulo continuado da droga, é
produzido um novo tipo de memória de longo prazo da sensação causada,
com novas conexões entre os neurônios no centro de recompensa cerebral, e
que permanecerá para o resto da vida. Obedecendo a um mecanismo
ancestral de sobrevivência, essa estrutura modificada passa a comandar a
motivação do dependente e irá direcionar seus interesses e ações na
busca da droga, em detrimento de todas as demais atividades. Mesmo
tratado, o dependente recairá de forma cíclica, e a vitória maior será
mantê-lo em abstinência prolongada. Assim funciona com qualquer droga.
Do cigarro ao crack, passando pelo álcool e a maconha. Todas atuam na
mesma região do cérebro com as mesmas consequências. O que varia é a
rapidez e a intensidade com que isso acontece.
Tais alterações, depois de estabelecidas, caracterizam uma forma de doença crônica, até agora incurável, e que exigirá cuidados médicos permanentes. Junto com isso temos um percentual elevado de portadores de alguma outra forma de transtorno mental (ao redor de 20% da população), que são muito mais vulneráveis à dependência química que os não portadores. A Organização Mundial da Saúde (OMS) produziu um livro com consensos científicos internacionais sobre o assunto, “Neurociência do uso e da dependência de substancias psicoativas” (editora Roca), que pode ser consultado.
Na minha opinião, como médico estudioso
do assunto, como secretário estadual da Saúde que fui por oito anos no
Rio Grande do Sul e ex-presidente do Conselho Nacional de Secretários de
Saúde, afirmo que estamos diante do mais grave problema de saúde
pública e de segurança no Brasil. A progressiva liberação das drogas
produzirá uma oferta ampliada e multiplicará rapidamente o número de
dependentes. Criaremos uma enorme legião de doentes crônicos, com
dificílima readaptação a uma vida produtiva. E com custos humanos e
financeiros extraordinários para o Brasil.
Até porque, liberadas, as drogas seriam “traficadas” por grandes indústrias e ter iam uma oferta colossal.
Todos os países que liberaram as drogas, como a Suécia, até 1969, e a China, no século XIX, tiveram que voltar atrás, em função dos problemas sociais e de segurança, e têm hoje leis duríssimas sobre o assunto. As experiências pontuais de liberação parcial do uso como a de Portugal fracassaram, aumentando o número de dependentes em tratamento e multiplicando os homicídios. Vide relatórios do Instituto Nacional de Administração (INA, dezembro de 2004), do governo português. Ao contrário do que afirmam os defensores da liberação, nos países que tomaram medidas mais firmes contra o consumo de drogas, como Suécia e EUA, houve diminuição de dependentes e de homicídios. Desde a década de 80 os homicídios caíram pela metade nos EUA e na Suécia morrem assassinadas 30 vezes menos pessoas, proporcionalmente, que no Brasil. Em outras palavras, se aqui tivéssemos as taxas de homicídios da Suécia, 48 mil pessoas deixariam de morrer assassinadas a cada ano.
Com essa visão e acompanhando o sofrimento de muitas famílias é que me motivei a propor as mudanças na lei sobre drogas, enfrentando, e não liberando seu consumo. Elas deverão ser votadas ainda no primeiro semestre de 2013 na Câmara dos Deputados.
(*) Deputado federal pelo PMDB do Rio Grande do Sul e ex-secretário da Saúde do Rio Grande do Sul
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