segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Harmonia entre os Poderes

Michel Temer (*)
17 de novembro de 2014
Quem comanda um Poder de Estado deve exercer suas funções com independência sem se afastar do convívio com os demais Poderes
Na relação institucional entre os Poderes do Estado, alardeia-se sempre o fundamento constitucional da independência entre eles. Há, porém, uma insistência reiterada em se esquecer da harmonia entre eles, essencial à boa governança e ao equilíbrio de forças no país.
Os Poderes, com efeito, são independentes entre si. Mas de que independência fala a Constituição? Da funcional, do exercício de suas funções e competências.
Não é sem razão que a Constituição estabeleceu competir à Câmara e ao Senado a privatividade de elaborar seu “regimento interno” e de “dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e com iniciativa da lei para fixação da respectiva remuneração” (art. 51, incisos 3º e 4º, e art. 52, incisos 12 e 13). Tudo para assegurar a sua independência ao exercitar as suas competências.
Mas independência não significa isolamento, não interação, nem oposição aos outros Poderes. Por isso, o constituinte estabeleceu, no mesmo patamar, o critério de “harmonia” entre os Poderes. Para que trabalhem em conjunto na busca do bem comum.
Para bem entender essa questão é preciso lidar com conceitos. A regra número um é a de que o Poder é uma unidade. Não existem três Poderes do Estado. Existe apenas “Um”, cujo titular é o povo. Nesse sentido, devemos entender a teoria da separação dos Poderes, nas lições de Montesquieu (1689-1755).
Montesquieu observou o panorama do Estado absolutista e verificou que o soberano exercia três funções distintas: legislava, executava e julgava. Concentrava o poder. A partir dessa constatação, e em busca dos direitos individuais, propôs que esse poder se desconcentrasse e fosse entregue ao povo, e seu exercício se desse por órgãos distintos. Daí nasceu o Estado de Direito que nas democracias subsiste até hoje.
O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto já discorreu sobre o significado da palavra poder no texto constitucional. Todo poder emana do povo. Aí a palavra tem significado de soberania. Ou seja: o poder incontrastável de mando é do povo. Quando o constituinte disse “são Poderes da União o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”, quis significar “órgãos” para exercer o poder em nome do povo.
Quando mais adiante registra: “o Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional”; “o Poder Executivo pelo presidente da República” etc., quis dizer que a “função” legislativa e a “função” executiva são exercidas por aqueles órgãos.
Como o povo não pode reunir-se em praça pública para deliberar foram criados órgãos para desempenhar essas funções. Esse é o significado da separação dos Poderes. Por isso, a harmonia é indispensável: trabalharão juntos para satisfazerem as aspirações do único dono do poder.
Essas considerações não suprimem o papel da oposição. Quem não venceu as eleições tem o dever de criticar e fiscalizar. Ajuda a governar, portanto. Esse é o conceito jurídico-democrático de oposição.
Equivocada é a visão de que, ao perder, um partido deve opor-se sistematicamente, não importando se determinado ato da situação pode beneficiar o povo. Isso ocorre na área federal, nos Estados e municípios.
São trivialidades conceituais, mas quando vejo colocarem a independência acima da harmonia como se fossem Poderes individualizados, e não desdobramento funcional do único Poder soberano existente no Estado, impõe-se o alerta.
A harmonia é determinação nascida da soberania popular e toda vez que os Poderes se desarmonizam ao fundamento da independência, o que se verifica é uma inconstitucionalidade, indesejável jurídica e politicamente.
Quem comanda um Poder de Estado deve, portanto, exercer suas funções com independência sem jamais se afastar do equilíbrio proporcionado pela harmônica convivência entre eles.
Repito o óbvio para restabelecer a compreensão de certos conceitos essenciais ao bom funcionamento de nossa democracia.
(*) vice-presidente da República e presidente nacional do PMDB.
Artigo publicado na Folha de S. Paulo – Tendências e Debates – em 16 de novembro de 2014.

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